24 de março de 2013

SERRA DAS ESMERALDAS O Espírito Santo a dois passos do paraíso


SERRA DAS ESMERALDAS
O Espírito Santo a dois passos do paraíso
Esmeraldas. Esta é, com certeza, uma das palavras que melhor traduzem o sonho dos portugueses no Brasil nos primeiros séculos da colonização. Durante muitos anos uma diversidade de aventureiros, bandeirantes e sertanistas embrenhou-se pelo nosso sertão em busca de riquezas incontáveis que os aguardavam em algum lugar desconhecido. E, na rota dessa busca, estava a Capitania do Espírito Santo.
Relatos do primeiro século de colonização, provindos de índios e aventureiros portugueses, deram início à crença de que haveria riquezas no Brasil iguais às das minas de prata do Potosi, na América espanhola. A lendária proximidade entre o Potosi e o sertão brasileiro levou à crença no Sabarabuçu, uma Serra de Esmeraldas à espera dos portugueses. E graças ao contato dos sertanistas com os nativos, dos quais se obteve grande conhecimento nas longas expedições pelo sertão, foi possível realizar as entradas em busca de metais e pedras preciosas.
Um dos principais sertanistas foi Marcos de Azeredo, habitante da Capitania do Espírito Santo no início do século XVII. Azeredo encontrou algumas pedras verdes no sertão, as quais foram levadas para a Metrópole e animaram a corte portuguesa. Ele teria guardado o registro do itinerário seguido o que, transmitido adiante, serviu de roteiro para sertanistas das gerações seguintes.
Os mapas do Brasil seiscentista foram influenciados pelo conhecimento adquirido dos nativos, principalmente na representação do interior do continente, além de serem baseados nos diversos relatos enviados à Coroa sobre essas regiões, inclusive o de Marcos de Azeredo. Essas informações foram utilizadas pelos cartógrafos da Idade Moderna e criaram uma identidade visual para a Capitania do Espírito Santo. A lenda da Serra das Esmeraldas foi, assim, difundida e colocou o Espírito Santo entre as regiões mais cobiçadas da América colonial.
As crises econômicas também incentivaram as entradas de meados do século XVII, gerando um imenso interesse dos colonos pelas riquezas perdidas do sertão, e diversos conflitos políticos ocorreram entre os que disputavam as patentes das entradas. Mas o que levou as esmeraldas a ganharem tamanha importância? A grande quantidade de cristais de todas as cores de que davam conta nativos e aventureiros mudaria o interesse dos colonos, que inicialmente buscavam ouro e prata. Esses cristais, principalmente verdes, sugeriam a existência de maravilhosas riquezas perdidas, que poderiam ser encontradas, se procuradas da maneira certa.
O fascínio pelas esmeraldas também tem origem em tradições surgidas ainda na antiguidade e que se fortaleceram na Idade Média, relacionando as pedras verdes a temas religiosos como a castidade e a vida eterna. Essas crenças fariam com que Santo Agostinho identificasse esmeraldas nas margens de um dos rios que nascem no Éden, o Fison, nas suas descrições do paraíso terrestre.
A associação entre o Brasil e o Éden foi muito comum nos primeiros séculos da colonização da América portuguesa. Fortalecendo essas ideias, além dos relatos de indígenas sobre quantidades incontáveis de metais e pedras preciosas no sertão da América portuguesa, falava-se na existência de uma lagoa mítica, de onde saíam os principais rios do continente, que distribuíam essas riquezas pelo território brasileiro.
Apesar do aparente desejo de continuar acreditando na existência da Serra das Esmeraldas, com o passar das décadas os seguidos fracassos das buscas levariam à marginalização da lenda. Ela foi, porém, uma das lendas mais extraordinárias e duradouras do período colonial brasileiro, mesclando tradições indígenas e europeias, com reflexos na interiorização da colonização, estabelecimento de contato com tribos indígenas e aberturas de rotas pelo sertão.
A lenda também foi responsável pela aproximação de súditos da colônia com a Coroa. Marcos de Azeredo, por exemplo, recebeu por sua descoberta o hábito da Ordem de Cristo, que herdou os bens da Ordem Templária em Portugal. Esta era uma das maiores recompensas por serviço à Coroa naquele período.
Nessa época, diversos conflitos políticos ocorreram entre os que disputavam as patentes que davam permissão para as entradas ao sertão. Salvador Correia de Sá e Benevides, político influente na Coroa e membro do Conselho Ultramarino, assumiu em 1658 o governo da Repartição do Sul em, que envolvia Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e demais capitanias ao sul. Após o fim dos conflitos com os holandeses no nordeste, dedicou-se a encontrar a Serra das Esmeraldas, mas entrou em conflito com o governador da Repartição do Norte, que dizia ter direito sobre os territórios do Espírito Santo. A disputa era pelo direito às riquezas da região. Mesmo dedicando vários anos de sua vida a essa busca, Salvador não encontrou a Serra e as repartições se desfizeram em 1662.
Outros conflitos, como o que ocorreu entre o Capitão-mor José Gonçalves de Oliveira e o Donatário Francisco Gil de Araújo por toda a década de 1670, envolveram tantas camadas da administração imperial de Portugal que merecem destaque no estudo do império ultramarino português. O primeiro recebeu do Governador Geral do Brasil, na Bahia, a patente para realizar a jornada ao sertão. O segundo, que havia comprado a Capitania do Espírito Santo poucos anos antes, se sentiu no direito de realizar, ele próprio, a busca pelas esmeraldas. Com o apoio da Câmara de Vitória e do Governo Geral, Francisco Gil destituiu o adversário de seu cargo, mas José Gonçalves escreveu uma carta ao governo no Rio de Janeiro (um contrapeso ao governo na Bahia) e à Coroa, em Portugal.
A Coroa sempre utilizou o Conselho Ultramarino para tomar atitudes em seu império ultramarino e o Conselho decidiu a favor do Capitão-mor. Mas como garantir a execução dessas ordens, estando tão longe? Após anos de brigas e troca de cartas entre a administração imperial e a Coroa, Francisco Gil de Araújo realizou 14 entradas em busca das esmeraldas, segundo seu relatório de governo, sem qualquer resultado positivo.
Por fim, as grandes jazidas de ouro encontradas nesses territórios do interior do Brasil no final do século XVII obscureceram a crença nas esmeraldas. As descobertas mudaram, nos anos seguintes, a economia brasileira e portuguesa. Para o Espírito Santo, entretanto, essa mudança não foi muito positiva. Os territórios em que o ouro foi encontrado eram disputados por diferentes elites da América portuguesa, principalmente de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.
A criação da Capitania de São Paulo e das Minas do Ouro, em 1709, veio como uma solução para a Guerra dos Emboabas (a famosa disputa pela região, entre paulistas e estrangeiros), e desmembrou definitivamente a região das minas gerais da Capitania do Espírito Santo, que ficaria limitada entre o litoral e uma região de floresta, ocupada por nativos contrários aos portugueses. O Espírito Santo perdeu, assim, a posse sobre as riquezas naturais, tão desejadas e disputadas durante o século anterior, e a maior parte de seu território para forças políticas vizinhas.
A Serra das Esmeraldas voltou a receber alguma importância ainda no início do século XVIII. Porém, com o passar dos anos e os constantes erros no descobrimento das pedras preciosas, ela foi lentamente abandonada. O desejo pelo fantástico moveu as expedições sertanistas por séculos, deu protagonismo ao Espírito Santo no período colonial, mas a Serra acabou por mergulhar em um esquecimento do qual saiu pouquíssimas vezes, até que seu brilho apagasse definitivamente.
Em razão da busca pela Serra das Esmeraldas, a Capitania do Espírito Santo pode ser considerada ponto importante na história das questões políticas e territoriais na América portuguesa. Por si mesmos e pelas forças presentes na América portuguesa, esses acontecimentos alteraram drasticamente o espaço e a história do Espírito Santo colonial, refletindo no que somos hoje.

Por Fábio Reis