9 de abril de 2011

A MULHER DEFRONTE A ARTE

Viná Garcia Silveira de Moraes
Historiadora e professora


Como não admirar a figura feminina? Sendo mulher, não me acanho em registrar este questionamento, venhamos e convenhamos, a figura feminina é realmente inspiradora. Minha proposta aqui é explanar a admiração por esse gênero, que também está ao longo da história da humanidade, representada em várias faces da arte, em obras que surgiram acompanhando a sua vivência por distintas épocas. 

Figuras mitológicas, religiosas ou mesmo do cotidiano denotam mulheres de várias estirpes. Ministrando  aulas de História deparo sempre com uma ou outra.

Entusiasmada pelo assunto cataloguei algumas obras de imagem da mulher na arte, desejando encontrar algumas explicações para meus questionamentos, e também é claro, evidenciar a admirável beleza feminina.

Começo então com duas esculturas pré-históricas que são vistas como as representações femininas mais antigas do mundo. A primeira Vênus (figura feminina nua) se trata de uma descoberta na caverna Hohle Fels, ao sul da Alemanha. Com apenas seis centímetros é uma talha em marfim, não tem cabeça e em seu lugar aparece um arco, dando a entender que era utilizada como pendente de colar, essa Vênus pode ter 40.000 anos de idade.

                                                          Vênus de Hohle Fels 40.000 anos 

A segunda é a escultura tradicionalmente mais antiga, a rechonchuda Vênus de Willendorf de 25.000 anos, sua figura é associada à fertilidade. O curioso é que os seios e as genitais de ambas estão bem exageradas, não sabemos qual teria sido a intenção ao retratar dessa forma a feminilidade.

                                                       Vênus de Willendorf de 25.000 anos

Na antiguidade várias obras merecem ser destacadas. O busto de Nefertiti é encantador. A mais importante rainha do faraó Amenófis IV, que governou o Egito de 1353 a 1335 a.C.. 

Busto de Nefertiti (1353 a 1335 a.C.)

Essa escultura mede 50 cm de altura, no olho esquerdo falta a córnea, estudos revelaram que nunca foi colocada para não causar inveja às deusas. A sensualidade dos traços, a geometria das formas e o delicado ritmo do conjunto, atribuem harmonia e beleza à obra. Alguns pesquisadores questionam a veracidade do período em que foi feita, original ou não, ela expressa a imagem de uma mulher valente, bela, elegante e determinada. Este busto é um troféu para todas as mulheres que destacam-se no mundo por qualidades semelhantes.

Hino a Nefertiti- "Com seu esbelto colo e peito radiante tem por cabelos verdadeiro lápis-lazúli; seus braços superam os da deusa do amor e seus dedos são como cálices de lótus. Ela, a de nobres andares, quando pisa a terra faz com que todos se voltem para contemplá-la e é como se contemplassem aquela que é a Única...”                    

(Fragmento de um papiro da XVIII Dinastia).

Também da antiguidade, a escultura Vênus de Milo, uma famosa estátua da mitologia greco-romana. A deusa possui muitas formas de representação artística, desde a clássica até às modernas, passando pela renascentista.

                                                                Vênus de Milo (130 a.C.)

Essa escultura tem uma anatomia admirável. Considerada pelos antigos gregos e romanos como a deusa do erotismo, da beleza e do amor. A estátua de mármore tem 203 cm de altura, data de cerca de 130 a.C., pensa ser o autor da obra Alexandros de Antioquia. Em 1820 a escultura foi encontrada na ilha de Milos no Mar Egeu, por um camponês chamado Yorgos Kentrotas, acredita-se que a Vênus já estava sem braços quando foi encontrada, ela impera no Museu Louvre em Paris, recebendo milhares de admiradores do mundo. Com ela recorro as mulheres mutiladas por costumes culturais ou mesmo portadoras de deficiência, superando as barreiras da limitação física, nesta sociedade machista e preconceituosa. 

A Vitória de Samotrácia é uma escultura feminina preciosa, assim como a Vênus de Milo. Representa a deusa Atena Niké (Atena que traz a vitória), cujos pedaços sem a cabeça, foram descobertos em 1863 na ilha de Samotrácia no Mar Egeu. Sob a forma de mulher alada e colocada sob a proa de um navio de guerra, foi criada por volta de 220 a.C. para comemorar a vitória de uma batalha naval. Do periodo helenístico, mostra a leveza da escultura grega.

                                                           Vitória de Samotrácia (220 a.C.)

Para muitos, essa mulher com um par de asas podia ser assim definida: "Sob o vento, as roupas de seu vestuário se levantam e, molhadas, colam-se ao corpo revelando formas, força, ímpeto e fôlego de vida”

Conta a história que um novato escultor grego, sem muita fama, teria sido o criador dessa mulher alada, tida como "a beleza em velocidade", uma obra-prima. Atualmente está em lugar de destaque numa escadaria no Museu Louvre em Paris.  A obra  faz-me refletir sobre tantas mulheres que sonham em conquistar as asas da vitória, ou mesmo um fôlego de vida em rotinas fatigantes.

Impossível esquecer das grandes obras do Renascimento, o italiano Sandro Botticelli (1445 e 1510) também se encantou pela divindade, realçando em seu quadro um corpo feminino sinuoso e um rosto introspectivo. A obra “Nascimento de Vênus” é uma pintura com dimensão de 1,73m por 2,79m e está exposta na Galleria degli Uffizi, em Florença. Na mitologia ela já nasce adulta no mar, é levada até a praia embarcada numa concha impulsionada pelo Vento Oeste, simbolizado pelo Zéfiro assoprando, ele está retratado raptando uma ninfa chamada Clóris, que se apresenta delicadamente abraçada ao seu corpo. Clóris simboliza aí o ato físico do amor. Na praia, as ondas calmas entregam Vênus à Hora, representada pela Primavera e o renascer, a qual aguarda a deusa recém-nascida com um luxuoso manto para cobri-la. Toda esta cena é permeada de flores típicas da primavera. Aí sensibilidade feminina está muito bem retratada, através da leveza, da sensibilidade e o cuidado dedicado à deusa.

 Nascimento de Vênus (1482)
    
Certamente estenderia muito  ao escrever sobre as divindades femininas da mitologia greco-romana. Têmis a deusa da justiça, as Graças, as Musas, seria um verdadeiro deleite, como no quadro "Primavera" do pintor Botticelli, uma obra que apresenta a alegoria da chegada dessa estação. Ao contemplar o quadro tenho vontade de fazer parte do seu cenário, dançando com as personagens, onde novamente o gênero feminino está em destaque.

 Primavera (1477 e 1478)

A romântica Terpsichore, que está representada na escultura do italiano Antonio Canova (1757-1822 – Neoclassicismo), uma das nove musas filhas de Zeus e Mnemosine, deusa protetora da dança e da música.  Podemos fazer uma leitura da obra identificando os dons artísticos da mulher na história.

 Terpsichore (1816)
    
 A assustadora Medusa não podia faltar aqui, sua história um tanto intrigante ficou marcada em obras de arte surpreendentes. No mito a Medusa foi uma moça muito bonita, que se orgulhava principalmente dos seus cabelos, de tão bonita atreveu-se a competir com Minerva, que indignada com a petulância da moça, transformou seus lindos cabelos em horríveis serpentes. A Medusa passou então a viver em uma caverna no reino de Serifo, tornou-se um monstro cruel e de aspecto amedontrador, nenhum ser vivo podia fitá-la sem se transformar em pedra, Perseu foi o responsável pela sua morte decapitando-a. 
Caravaggio, Medusa (1597)

A impactante obra de Caravaggio (pintor italiano do final do século XVI e início do XVII) é um  culto ao pavor no momento da morte de Medusa. A cabeça da Medusa foi o que restou da história mitológica, na competição venceu o gênero masculino, Perseu derrotou a maléfica Medusa.

Nós mulheres somos vaidosas, acho o mito da Medusa um tanto quanto peculiar, pois analisamos estilos, cabelos, maquiagens e uma infinidade de outras coisas do nosso universo. No campo profissional, ao competir com o gênero masculino as barreiras costumam ainda serem gigantescas.

O famoso sorriso conhecido por “sorriso de Monalisa”, um  sorriso enigmático que deu fama universal a pintura de Leonardo da Vinci, na misteriosa Monalisa, pintura a óleo em madeira que foi realizada entre 1503-1506, intitulada: La Gioconda, e assim como nós mulheres em nosso dia-a-dia, fomenta o maior “ti-ti-ti” no mundo da arte.

 Leonardo da Vinci, Monalisa (1503-1507)
 
Também Michelangelo, em sua abundante produção artística, não se cansou de retratar a mulher. A escultura Pietá (piedade, em português), é uma das mais conhecidas e famosas feitas pelo artista. Ela representa para mim a mais importante de todas as mulheres, Maria de Nazaré. A escultura Pietá localiza-se na Basílica de São Pedro, é uma impressionante imagem de mãe, velando seu amado filho.
 Michelangelo Pietá (1499)

Admirando as várias obras que mostram a imagem da Virgem Maria,  destaco o dom da maternidade, ser mulher é uma glória!

Glória que também Delacroix, ao produzir uma tela histórica da Revolução na França, representa na Liberdade a figura de uma mulher. Muito sensual e real, a mulher que guia o povo por cima dos corpos dos derrotados, levando a bandeira da Revolução Francesa em uma mão e acenando um mosquete com baioneta na outra, juntamente com a quebra do Antigo Regime, seria uma quebra dos tabus que assombravam a mulher.

 A Liberdade Guiando o Povo (1830)
     
As mulheres da atualidade estão guiando sua vida pessoal, profissional, os seus lares. Acredito que “toda mulher sábia edifica sua casa, sua profissão, sua vida”,  seus dias são verdadeiras batalhas a serem reconhecidas, valorizadas e respeitadas.
   
Ao refletir essas obras de valor incalculável, pensei em diferentes realidades vividas pelas mulheres no mundo. Ainda há muito para se fazer em prol das mulheres. 

Terminando meu encontro entre a mulher na arte e na história, pergunto o que temos feito por nós mulheres? Como está nossa saúde? A espiritualidade, o emocional e intelecto?

A imagem da mulher hoje enfrenta o caos da mídia, constantemente vulgarizada e deturpada, precisamos nos resguardar usando os recursos legais, buscando principalmente o auto-respeito. 

Somos inteligentes, sensíveis, guerreiras, fonte de inspiração, enfim, detemos inúmeros valores,   mas que precisam ir das exposições de arte  para o mundo real.

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